O Estado: braço armado da burguesia

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 16, de 1º de outubro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

No dia 16 de março de 2020, o Governo do Estado do Rio de Janeiro reconheceu, finalmente, a gravidade da pandemia que então se espalharia por todo o país. No rol de medidas tomadas estava o fechamento do comércio, das escolas e locais públicos em geral. Os efetivos militares foram deslocados da sua rotina de patrulhamento e operações policiais para ações de enfrentamento ao novo coronavírus.

A drástica redução das incursões da Polícia Militar (PM) em favelas e bairros operários da cidade durante as duas últimas quinzenas do mês de março representou uma proporcional queda no número de pessoas assassinadas pelo aparato militar do Estado. Essa razão também se expressa no sentido inverso: a medida em que aumenta o número de incursões, sobe o número de assassinatos.

Tanto é assim que no mês de abril, tão logo são retomadas as operações policiais em favelas cariocas, o aumento do número de mortes foi 43% superior ao mesmo período do ano passado. Uma pessoa a cada quatro horas foi morta pelas mãos da Polícia Militar do Rio de Janeiro naquele mês. Outro exemplo da correlação entre o número de operações policiais e o número de mortos por ação da Polícia Militar aconteceu quando o STF determinou, em junho, que as operações militares ocorressem apenas em situações excepcionais – medida adotada liminarmente pelo ministro Edson Fachin e ratificada pelo plenário em agosto. Desde então a taxa de mortos pela PM atingiu o menor número mensal desde 2015. Ou seja, os dados apontam para o inquestionável: o espaço privilegiado pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) para assassinar a população trabalhadora, especialmente a população negra, são favelas e bairros operários da cidade durante suas operações policiais de “combate ao tráfico de drogas”.

Observando a série histórica, percebe-se que a queda no número de operações policiais, e consequentemente do número de mortes, é uma exceção em uma crescente exponencial iniciada ainda em 2014. A despeito da pandemia de Covid-19 e da queda no número de crimes ocorridos neste período, os primeiros cinco meses do ano de 2020 foram o período em que a PMERJ mais matou pessoas em 22 anos! Se em 2018, quando ocorreu a intervenção militar no estado do Rio de Janeiro, o número de mortes por ação policial atingiu a marca de 614 pessoas assassinadas nos primeiros cinco meses daquele ano, a taxa expandiu após o início da gestão do agora governador afastado Wilson Witzel: de janeiro a junho de 2019, foram 732 mortes, enquanto em 2020 esse número já atingiu a marca de 741 mortes no mesmo período.

Se por um lado o aparato repressivo do Estado segue em pleno funcionamento, eventualmente impedido de funcionar por pressão externa, as medidas de saúde ficam aquém do necessário para o combate à pandemia. O Rio de Janeiro é o estado com o maior índice de letalidade pela Covid-19, contabilizando atualmente mais de 16 mil mortes. Aliás, as medidas tomadas supostamente para o combate ao novo coronavírus revelaram-se na verdade um grande esquema de desvio de dinheiro da saúde que levou ao afastamento do governador do estado, Wilson Witzel.

Ao mesmo tempo em que a classe trabalhadora se vê desesperada sem saber como fará para sobreviver ao vírus, à fome e ao desemprego, 2020 está marcado também pelo incremento do massacre da população negra e de moradores de favelas e bairros operários do Rio de Janeiro.

A resposta que os reformistas apontam para esse estado de coisas é sempre a mesma: inúmeras propostas de reforma dos aparatos militares do Estado. Reconhecem a realidade acima descrita, porém atentam-se à aparência: a Polícia Militar, especialmente no Brasil, é racista, corrupta, truculenta… estamos de acordo com tudo isso. Porém não podemos esquecer a essência desse fenômeno, razão pela qual o Estado age dessa forma: a Polícia Militar é o braço armado da burguesia. A mão que dispara a bala de borracha contra manifestantes num ato político qualquer também dispara o fuzil “na cabecinha”, como recomendou o governador Wilson Witzel, contra crianças e jovens nas favelas cariocas. E a finalidade da sua atuação em ambos os casos é a mesma: manter a ordem, manter o Estado, manter o capitalismo. E quem quer que se levante contra estes será seu alvo.

Por isso, a única saída é o fim da Polícia Militar: por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!

Referências:

<https://www.marxismo.org.br/quando-a-policia-sobe-o-morro-o-sangue-escorre-guerra-contra-as-drogas-ou-contra-o-proletariado-negro/>

<https://www.marxismo.org.br/o-aumento-da-violencia-policial-e-o-engano-de-reformar-a-pm/>

<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/06/22/rj-tem-maior-numero-de-mortes-por-policiais-em-22-anos-e-o-2o-menor-indice-de-homicidios-ja-registrado-pelo-isp.ghtml>

<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mortes-por-policiais-crescem-43-no-rj-durante-quarentena-na-contramao-de-crimes.shtml>

<http://observatorioseguranca.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Operac%CC%A7o%CC%83es-policiais-no-RJ-durante-a-pandemia.pdf>

<http://observatorioseguranca.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Operac%CC%A7o%CC%83es-policiais-em-meio-a%CC%80-pandemia_-primeiros-efeitos-das-medidas-de-combate-ao-coronavi%CC%81rus-na-ac%CC%A7a%CC%83o-policial-1.pdf>

<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/08/rio-de-janeiro-tem-o-menor-numero-de-homicidios-em-30-anos.shtml>

<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/07/apos-liminar-de-fachin-rj-registra-menor-numero-de-mortes-pela-policia-em-54-meses.shtml>

<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/08/05/stf-mantem-proibicao-de-acoes-policiais-em-favelas-do-rj-durante-a-pandemia-de-covid.ghtml>

<https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-09/rio-de-janeiro-registra-165-mil-mortes-por-covid-19>

<https://extra.globo.com/noticias/rio/o-que-pesou-contra-witzel-entenda-as-denuncias-que-levaram-ao-processo-de-afastamento-24657158.html>